quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Ineficácia dos Actos Jurídicos

Nos pontos anteriores, falámos de sanções como consequência negativa aplicável aos infractores das normas jurídicas. Porém, os actos jurídicos ( negócios jurídicos) podem sofrer de vícios. Podem violar disposições legais. Quando isso acontece, esses actos não produzem alguns ou mesmo todos os efeitos que os mesmos visavam. Nesse caso, estamos perante o que se denomina de “ineficácia dos actos jurídicos”.

Antes de abordarmos as modalidades de ineficácia dos actos jurídicos, julgamos conveniente tratar, ainda de uma forma simplista, os conceitos de “facto jurídico”, “acto jurídico” (“negócio jurídico”) e “contrato”.

Comecemos pela noção de “facto jurídico” : é todo o acontecimento natural ou acção humana que produz efeitos ou consequências jurídicas. Estes efeitos ou consequências podem consistir numa criação, modificação ou extinção.
Os “factos jurídicos” podem ser voluntários ou involuntários (estranhos e independentes da vontade humana). Os voluntários são manifestações de vontade do homem e são denominados de “actos jurídicos”.

Posto isto, entramos na noção de “acto jurídico” como sendo um facto jurídico voluntário. Estes factos jurídicos voluntários ou actos jurídicos podem ser lícitos (em conformidade com a ordem jurídica) ou ilícitos (os que contrariam as normas jurídicas).

Por sua vez, os actos jurídicos lícitos podem subdividir-se em:

(i) Negócios jurídicos – são factos voluntários constituídos por uma ou mais manifestações de vontade, destinadas a produzir intencionalmente efeitos jurídicos. Podem ser unilaterais (ex. testamento) e bilaterais (contrato).

(ii) Simples actos jurídicos – são factos jurídicos cujos efeitos jurídicos, embora eventualmente concordantes com a vontade dos seus autores, não são todavia determinados pelo conteúdo desta vontade, mas directa e imperativamente, pela lei.

Os actos jurídicos ilícitos podem ser: dolosos ou negligentes. O dolo traduz a intenção de cometer algo. A negligência acontece sem que haja intenção de provocar um acto ilícito - contudo, o agente não adoptou a conduta adequada de modo a evitar o resultado.

Depois desta breve passagem pelos factos jurídicos, entremos então na ineficácia dos actos jurídicos.

“A ineficácia dos negócios jurídicos traduz, em termos gerais, a situação na qual eles se encontram quando não produzem todos os efeitos que, dado o seu teor, se destinariam a desencadear”[1]

Assim, diz-se ineficaz, o negócio jurídico que não produz parte ou totalidade dos efeitos que se destinava a produzir.

A ineficácia pode assumir três modalidades: Inexistência, Invalidade e Ineficácia, em sentido restrito ou stricto sensu.

4.1. Inexistência

“O acto jurídico inexistente não produz qualquer efeito, não havendo necessidade de um reconhecimento judicial da invalidade, como acontece com os negócios nulos. Estes actos, a que falta um elemento essencial à própria configuração do acto, não produzem quaisquer efeitos e a sua existência pode ser invocada por qualquer pessoa, a todo o tempo, independentemente de declaração negocial”[2].

Assim, resumindo, pode-se dizer que:

a) O negócio jurídico inexistente não produz qualquer efeito;
b) A inexistência pode ser invocada a todo o tempo;
c) A inexistência jurídica pode ser invocada por qualquer pessoa, não carecendo de declaração judicial.

Cumpre ainda, a propósito desta matéria, referir a inexistência da lei. A Constituição da República de Cabo Verde prevê como causas de inexistência de lei, a falta de promulgação ou de assinatura do Presidente da República e a falta de referendo do Governo.

Parece relevante, porque trata-se de um conceito importante para quem inicia o seu contacto com o direito, avançar uma noção de promulgação.

Promulgação é acto do Presidente da República mediante o qual este atesta ou declara que um determinado diploma foi elaborado por um determinado órgão constitucional para valer formalmente como lei, decreto-lei ou decreto regulamentar.[3]

4.2. Invalidade

“Invalidade – Qualidade do acto jurídico ao qual faltam ou em que são irregulares elementos internos essenciais, o que determina a sua insusceptibilidade para produzir os efeitos jurídicos para que tendia”[4]

A invalidade pode ser de dois tipos: nulidade e anulabilidade.

4. 2.1. Nulidade (artigo 286.º CC)

São nulos os negócios jurídicos em que exista violação de norma de carácter imperativo. Nos demais casos, estamos perante situação de anulabilidade.

Em resumo pode-se dizer que:

A nulidade é invocável a todo o tempo;
Por qualquer interessado;
Pode ser oficiosamente declarada pelo Tribunal.

Exemplos de negócios jurídicos nulos no Código Civil de Cabo Verde:

Falta de forma legal – artigo 220.º;
Simulação – artigo 240.º;
Reserva mental conhecida pelo destinatário – artigo 244.º n.º 2;
Objecto física ou legalmente impossível, contrário à lei ou indeterminável – artigo 280 n.º 1;
Contrariedade à ordem pública ou aos bons costumes – artigo 280 n.º 2;
Condição contrária à lei ou à ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes – artigo 217.º;
Fim contrário à lei ou à ordem pública ou ofensivo dos bons costumes, quando seja comum a ambas as partes – artigo 281.º;
Contrariedade à lei imperativa – artigo 294.º.

4. 2.2. Anulabilidade (artigo 287.º)

Só pode ser invocada pelas pessoas em cujo interesse a lei a estabelece;
No prazo de um ano subsequente à cessação do vício;
Admitindo a confirmação – artigo 288.º;
Tem de ser reconhecida e, enquanto o não for, o negócio subsistirá e produzirá os seus efeitos.

Exemplos de negócios jurídicos anuláveis no Código Civil de Cabo Verde:

Erro na declaração – artigo 247.º;
Erro na transmissão da declaração – artigo 250.º;
Erro sobre a pessoa ou erro sobre o objecto do negócio – artigo 251.º;
Erro sobre os motivos – artigo 252.º;
Negócios usurários – artigo 282.º.

4. 2.3. Efeitos da invalidade (artigo 289.º)

A declaração de nulidade e de anulabilidade tem efeitos retroactivos. Tudo se deve passar como se o acto não existisse. Sendo assim, tudo o que haja sido prestado por qualquer das partes, deve ser restituído.

4.3. Ineficácia em Sentido Restrito ou Strictu Sensu

”Em sentido restrito, a ineficácia define-se por contraposição à invalidade: enquanto a invalidade resulta, em regra, da falta ou irregularidade de um elemento essencial do negócio, a ineficácia resulta de qualquer circunstância exterior ao mesmo”[5]

Exemplos:
Actos do falido;
Actos sujeitos a registos que não foram registados;
Actos de disposição e oneração de bens penhorados (ex: artigo 622.º);
Negócios do representante sem poderes – 268.º n.º 1.

[1] António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português I, Tomo I (1999), pág. 562.
[2] Ana Prata, Dicionário Jurídico, 4.ª ed., pág. 369
[3] Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, pág. 624.
[4] Ana Prata, Dicionário Jurídico, 4.ª ed., pág. 671.
[5] Ana Prata, Dicionário Jurídico, 4.ª ed., pág. 637.